Chissana M. Magalhães
4 min readMay 12, 2023

CINEMA Cabo-verdiano: Um ofício de sonhadores persistentes

Com os dois festivais internacionais de cinema do país a registarem em 2016 uma única produção nacional desse ano, 2017 promete ser mais movimentado. E tudo acontece por amor dos criadores a este fazer que ainda não conquistou os mecenas do país.

Dos 123 projectos submetidos ao Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas no âmbito da chamada pública para apoio financeiro ou institucional para o ano de 2017, nove eram projectos audiovisuais e mais de 2 terços destes, filmes documentários ou de ficção. Entretanto, apenas um — “Morna, o encanto dos trovadores”, de Mário Benvindo Cabral — conseguiu apoio financeiro directo (100 mil escudos), cabendo aos restantes uma parceria institucional que passa por disponibilização de espaços do Ministério, cartas de recomendação ou outro tipo de apoios não financeiros.

Fora desta lista de projectos submetidos ao ministério para subvenção financeira está a produção “Os Dois Irmãos”, do realizador português Francisco Manso, que tem confirmados 22 mil contos por parte do MCIC, assumidos pelo ministro da tutela como um “investimento gratificante e beneficiante” e justificado pelo “retorno financeiro que a película trará ao país”.

“Ainda não conhecemos os detalhes oficiais deste patrocínio, aliás assunto que está a levantar muita poeira entre os associados. Mas, neste momento, estamos a inteirar de todo o processo para depois pronunciarmos”, manifestou o presidente da Associação de Cinema e Audiovisual de Cabo Verde (ACACV).

O que podemos adiantar é que, segundo a Inforpress, o ministro Abraão Vicente garantiu na apresentação pública da parceria com a produtora TAKE 2000-Produções de Filmes Lda. que “tudo o que seja a parte comercial vai retornar em 25% e isso irá beneficiar o país e o próprio Ministério irá conseguir ter um fundo fixo para investir no audiovisual”.

Aos cineastas nacionais cabe aguardar pela criação do tal fundo fixo para o audiovisual ao qual certamente terão que concorrer.

Financiamento além-fronteiras

Escassos, para não dizer inexistentes, que são os patrocínios para produções nacionais dentro de casa, as produtoras nacionais começam a estar atentas aos fundos internacionais disponibilizados, sempre através de concursos públicos. E sim, há mais ofertas para além do DocTV CPLP e do FicTV CPLP, e do já familiar AfricaDoc que tem levado alguns cineastas nacionais aqui ao lado ao continente para o programa de formação em escrita e produção de documentários.

Yuri Ceuninck, produtor e realizador da curta-metragem “Listen and Sea” [2005], é um dos que tem explorado estas oportunidades de financiamento e não só. Em Setembro passado [com Samú Chantre e Mário Vaz Almeida] foi um dos 10 seleccionados, em 80 candidaturas, para o “Ouaga Film Lab 2016” — uma plataforma para o desenvolvimento de projectos de cinema africanos.

O realizador, natural de Santo Antão e com formação superior em cinema, sempre produziu os seus filmes com recursos internacionais. Foi o caso de “To Be or Not to Beef”, patrocinado pela Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação. A experiência ter-lhe-á valido para o seu feito mais recente, já com o selo da sua nova produtora, a Kori Kaxoru Films: o seu projecto “Master’s Plan” [em que irá trazer aos olhos do público os bastidores da famigerada CRASDT, no rescaldo das escandalosas confissões públicas] foi um dos 8 documentários seleccionados pelo fundo Hot Docs quando concorreria com outras 113 candidaturas provenientes de 25 países africanos.

O Hot Docs é um fundo promovido para apoiar o desenvolvimento e a produção de documentários. Dos oito projectos seleccionados, quatro recebem fundos para a produção e quatro para o desenvolvimento do filme. Ceuninck foi contemplado nesta última categoria e pode ainda ser um dos cinco beneficiados com apoio para participar no Festival Hot Docs 2017, onde irão tomar parte de laboratórios criativos, assistir às sessões do festival, conferências e outros eventos de networking, etc.

Atenta às oportunidades de financiamento e participação em festivais internacionais está Samira Vera-Cruz, da Parallax Produções. Na sua estreia como realizadora, no ano passado e ainda ligada à Kriolscope Filmes, a jovem conseguiu levar a curta de ficção “Buska Santu” ao Cabo Verde Internacional Film Festival, tendo sido o único filme nacional a figurar no cartaz do certame. No Plateau — Festival Internacional de Cinema da Praia foi a única produção nacional do ano.

Com a Parallax, a jovem cineasta trabalha agora na pré-produção de “Sukuru”. Mais uma curta de ficção que descreve como “thriller psicológico”.

“É sobre um jovem viciado em crack, que desenvolve esquizofrenia devido ao uso excessivo da droga”, revela. E levantando um pouco mais a ponta do véu, adianta que do casting em curso já saíram os protagonistas: o rapper Jap Pires com o personagem “Jiló” e Vera Cruz como “Bia”.

Contando apenas com a parceria institucional do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas, a produtora anda “ à caça de financiamento”. Mas nem por isso deixam de ter já em carteira outros projectos, duas curtas-metragens de documentário.

Sem quaisquer patrocínios e apoios institucionais, estreia esta sexta-feira em Mindelo “Mor”, produto da Osga Filmes cuja produção se iniciou em Julho do ano passado. Realizado por Neu Lopes, esta longa de ficção é fruto da persistência de uma equipa de sete elementos que, apenas com a ajuda de amigos e alguns apoios de pequenas empresas, conseguiu levar o projecto a bom porto. Inclusive ao porto de Porto Novo, para a parte das filmagens que decorreram em Santo Antão.

A ilustrar cabalmente quanta persistência é necessária aos fazedores de cinema cabo-verdiano está o documentário “Tarturismo”, de Mário Benvindo Cabral, cuja jornada se iniciou no AfricaDoc 2009. Produzido a conta-gotas, conforme ia conseguindo pequenos patrocínios, só em Outubro desde ano [oito anos depois…] é que o filme estará finalmente pronto a estrear.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 794 de 15 de Fevereiro de 2017.

Chissana M. Magalhães

Journalist/Writer in Cape Verde Islands. Reach me via chissana at gmail.com