UM DRAMA EM BUSCA DA SOBRIEDADE

Chissana M. Magalhães
2 min readJul 4, 2020

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“Uma mulher extraordinária” — título curiosamente em contraste com o original alemão “Nur Eine Frau” (Apenas uma mulher) — traz a história real da jovem turca-curda Hatan “Aynur” Surucu que em 2005, foi assassinada pelo irmão mais novo naquele que é denominado pelo alcorão um “crime de honra”. Na história, recuperada para o cinema pela directora Sherry Hormann, Aynur retorna a Berlim e à sua familia grávida, em fuga de um casamento violento.

Qualquer suspense relacionado ao destino de Aynur é cortado de inicio. Ela anuncia o seu assassino já na introdução, quando o seu corpo nos é apresentado jazendo por terra. Ali mesmo assume que histórias como a dela, hoje, quase que já não chocam (ainda que causem repúdio). Surpreendentemente, o filme não passa o tempo que dura a tentar provar o contrário. Apesar de todo o material que tem em mãos, a directora evita o pain porn. Algo no que o trabalho da atriz protagonista e da maioria do elenco ajuda bastante.

A tragédia de Aynur é pois relatada na primeira pessoa o que, se por um lado nos faz logo pensar em genorosidade da autora em “dar voz à vitima” — e que amiúde ajuda o filme a escapar ao novelesco — também, pelo tom assumido pela narradora, reduz em muito a carga dramática da história. Tal caracteristica passa a ser, simultaneamente, a força e a fraqueza do filme: força porque o salva de ser um dramalhão onde o sofrimento é explorado até o limite. Fraqueza porque arrisca a que o espectador mais cínico e menos empático não se sensibilize o suficiente com a problemática que o filme aborda.

A forte opressão das mulheres muçulmanas, o machismo e a violência de que são vítimas tornaram-se a partir dos anos 90 quase que um género literário próprio, que não muito tempo depois ganhou adaptações ao cinema, infelizmente quase todas feridas dessa pobreza de estética cinematográfica. Curiosamente, a directora deste “Uma mulher Extraordinária” conta no currículo a transposição para as telas de um dos maiores clássicos deste segmento literário: o bestseller “Flor do deserto”.

Que esse “Nur Eine Frau” (Apenas Uma Mulher) consiga, pelo relato sóbrio na voz da vitima e também pelas opções da montagem escapar ao melodrama televisivo e emprestar um tom quase documental à trama, é um diferencial digno de nota embora, reitere-se, com o risco de alienação de parte da audiência.

Critica escrita no âmbito do programa Rio PressTalent, parceria Berlinale/Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, e publicada originalmente no blogue do Festival e na página do Instituto Goethe em Dezembro de 2019

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Chissana M. Magalhães

Journalist/Writer in Cape Verde Islands. Reach me via chissana at gmail.com